Os demónios da comida
- Rodrigo Alves
- Mar 4, 2021
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A morcela, é um daqueles enchidos, que comemos e ficamos sempre com peso de consciência, pois está tão conotada como uma comida gorda e que faz mal, que à partida, ficamos cegos e não vemos para além do que faz mal, e não percebemos que nos faz tão bem à alma.
O problema, e neste caso, podemos incluir todos os enchidos, é que apesar de realmente serem no essencial compostos por carnes gordas e por vezes excesso de sal, nunca os poderemos tirar de contexto.
E o contexto era só um, numa altura em que não se podia conservar com frio, a técnica de fazer enchidos, permitia que as carnes se guardassem por muito tempo. E acima de tudo, é preciso referir, o seu consumo era muito regrado, apenas se comiam ocasionalmente. O problema será sempre o mesmo, tudo o que é em demasia vem por mal, e a demasia depende do produto. Produtos como este estão, em pequenas quantidades, perto do limite.
Voltando à morcela, é talvez dos enchidos mais curiosos, pois a sua base é idêntica numa grande parte dos territórios. Tem contudo características que a diferenciam, umas tem mais ou menos cominhos, mais ou menos gordura e a carne será mais ou menos triturada, com ou sem arroz.
Aí a discussão tende sempre a ser a mesma. "A minha, a que eu como, é sempre a melhor!" Pois se estamos habituados a comer de certa forma, achamos quase sempre uma invasão o que vem de fora. Podemos gostar, mas temos de lhe chamar outra coisa, alguém da Beira Baixa nunca vai chamar só morcela a uma morcela de Viseu, terá de lhe dar um nome extra, como “de Viseu”, “da Beira Alta”, e isto serve para dizer, “alto ai, isto não é nosso”.
Soubéssemos nós defender sempre assim os produtos de cada local e a nossa cozinha tenderia a evoluir e o que é bom nunca se perderia. É este sentido de pertença que nos ajuda a definir.
Gosto de morcela de todas e das mais variadas formas, só cozida ou grelhada com uma rodela de cebola, para evitar a azia. Com uma tosta e um chutney de maça é ótimo, mas o que sugiro hoje é que a acompanhem com um puré de milho, um produto tão nosso e por vezes tão esquecido.
Grelhar uma maçaroca de milho só com um pouco de sal e azeite. Quando estiver bem douradinha, retirar os grãos e colocar num tacho, onde já temos um refogado com azeite, louro, cebola e alho. Juntar um pouco de caldo de legumes até cobrir e deixar cozer bem. Quando bem cozido triturar mas sem o liquido todo, ir juntando para que fique com consistência de puré. Temperar com sal e pimenta preta. Eu gosto de fazer este puré juntando também um pouco de Miso. Não havendo Miso, sugeria que adicionassem um pouco de vinagre de cidra, indo por outro caminho, porque procurar constantemente novas soluções é a piada da cozinha.
Feito o prato, vamos deliciar-nos, e nunca esquecer de comer com moderação e essencialmente com ponderação, porque a nossa saúde psicológica não pode ficar sem a vacina mensal de morcela.

Morcela com Pure de Milho e Miso




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